Sunday, April 15, 2007

Entre atos e quadros na galeria


01
Vou quadricular o vento pra ele se balançar na sua saia de formas geométricas. Vou enganar o tempo pra fazer um quadro cronológico da nossa história tétrica. Vou me (re)compor em poemas sem rima ou métrica. Vou te transformar em metáfora, em sopro de vento, em cartilha poética. Vou aprender a ler em você.

02
Leio seus sorrisos como quem admira o próprio reflexo no espelho. Leio de todos os lados (os quatro!), do alto de um cubo sem razão de ser.

O esquadro pesa na mão como pluma a medida que traço o ângulo entre o seu olhar e o meu. É difícil e eu desisto. Colo sua testa na minha e inclino um pouco a cabeça. Seu rosto subitamente assume a forma de uma pintura de Picasso. Te olho de cima a baixo, a procura de um espaço pra eu me enquadrar em você. "Vou te pintar", prometo num sussurro doce e você sorri pra mim. Enquadro seu sorriso na memória.

03
Foi tentando esquadrinhar o tempo que encontrei aquele velho quadro. Nele, seu sorriso em aquarela não passava de um quadrado branco. Merecia um réquiem, merecia qualquer coisa que eu não podia dar - uma resposta. Mas em resposta só consegui fazer o pincel chorar de um jeito maluco e inconsequente. E foi assim que te desfiz... Onde havia a curvatura invisível da boca contraída, sobrou a desfiguração dos seus dentes, da sua língua, da sua saliva. Os mesmos dentes que marcaram meu pescoço. A mesma língua que, qual cobra astuta, serpenteava. A mesma saliva que ainda habita minha boca.

Era tudo, portanto, muito anatômico e pouco realista. Onde estava o seu sorriso? Assassinado brutalmente com golpes de pincel. Sem piedade, sem caridade, sem a vaidade de vê-lo se abrir de novo. Era branco e o fiz vermelho-sangue. Era branco e o fiz cinzento e visceral. Era branco e o fiz qualquer coisa que não branco. Era brando. E as lágrimas coloridas do pincel expandiram-no pelo seu rosto, pelo seu pescoço, pelos seus cabelos... Era brando, mesmo que tivesse se vestido de arco-íris para morrer.