Monday, April 30, 2012

Sobre os destinos possíveis


Para ler ao som de Port Coton (Zaz)


A primeira vez foi no Rio. Um passeio pela Lapa. Cervejas de isopor. Mundo Livre S/A. Fim de tarde em Ipanema. Almoço num boteco qualquer. O pôr-do-sol. Gente que aplaude o fim do dia por encanto ou hábito. Um chopp onde Vinicius escreveu Garota de Ipanema, porque é coincidência demais errar o caminho e sair na rua do dito cujo. Presentes inusitados. Letra de música gravada em tecido 100% algodão. Tudo bonito como balanço de menina a caminho do mar.

Depois, um mar entre duas obras de Camus. L'étranger. La peste. O mesmo autor em estantes tão distantes. Na mochila. Ou numa mala pequena com rodinhas. A segunda vez é literatura. Uma volta pelo Champs de Mars. Encomenda de whisky e cigarros, porque amigo é pr'essas coisas. "Eu adoraria que você aparecesse qualquer dia desses". A Tour Eiffel pode esperar. Sorvete Berthillon não faz mal a ninguém. É uma pena que eles fechem no verão. Mas tudo bem, há música na rua. E ainda mais vida em Montmartre, como não poderia deixar de ser. "Montmartre e a Lapa se parecem, não?". Viver é um poema de Baudelaire. Enivrez-vous. Enivrez-vous sans cesse.

A terceira vez é passado. Uma prainha pitoresca. Falésias e boites. Um quer procurar gatinhas num clube ao som do tuntz tuntz e o outro bebe num repertório sobre os amores que deixou em casa. Tudo é tão óbvio quando há algum encanto. Mais tarde, chegam completamente bêbados, à sua maneira. Há uma casa enorme que vai sendo preenchida aos poucos por gente querida. Há churrasco e feitiçaria. Personagens dignos de ficção. Livros estranhos em norueguês na sala de estar de uma desconhecida. Mas ninguém se importa. Há leveza e riso. Isso basta.

Um diálogo do que poderia ser:
- Deixa eu te fazer rir tanto quanto você me fez agora.
- Olha, eu tenho uma ideia. Vou fazer chocolate quente e assar pães de queijo. Pegue o próximo voo. Vamos sentar no sofá da sala e fazer rir um ao outro.

A quarta vez foi em cidade de interior. Mais caricato impossível: era São João. Era um desses lugares onde ainda se comemora São João comme il faut. Com meninas em vestidos rodados. Foi uma olhadela de relance em histórias que seguiram paralelas. Em meio a destinos possíveis. E um bem querer que se rendeu aos encontros. A vida é linda pelas pessoas que se fazem especiais dentre 7 bilhões de possibilidades.

Dans ce monde inhabitable,
il vaut mieux danser sur les tables
A port coton qu'on se revoit.
[Et derrière nous, c'est encore à l'ombre].

A quinta vez foi um intercâmbio. Quando descobriram que Paris não é apenas uma cidade. "É o palco dos meus sonhos" / "E de algumas das minhas histórias".

A sexta seria quando todas as possibilidades coubessem num fim de tarde qualquer. E que, então, alguém pudesse dizer sem pudor:

- Vamos para a Abissínia?
- Fazer o que?
- Ser Rimbaud.

1 Comments:

Anonymous diana said...

Que texto bonito.

E o trecho "A vida é linda pelas pessoas que..." é digna de citação em cantos alheios.

10:22 AM  

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